A OFERENDA (conto)
Precisava partir, não poderia
ficar mais ali, não era seu lugar, mas teimava em ficar mesmo sabendo que tudo
havia acabado, não admitia em ir, não admitia ter acabado.
Aceitava a humilhação, calado,
achando que uma hora tudo voltaria a ser como antes, que a vida só estava vendo
como reagiria a um fato daqueles, como seria sua resiliência a uma traição, se
poderia perdoar e seguir em frente e recomeçar, mas no mesmo lugar, com as
mesmas pessoas, tudo voltaria a ser como antes.
Era só uma fase, uma experiência
ruim que mais tarde seria vista como lição de vida e superação e nada mais.
Já eram passados dois anos e nada
de mudar, as madrugadas eram traumáticas e longas, os pensamentos vinham de uma
forma não muito pacíficos, alguns davam medo, parecia que seus instintos
afloravam com toda aquela situação, pensava em morte, pensava em matar, em se
matar, em acabar com vidas. Na madrugada só trevas...
Não havia mais diálogo, estava
tomado pelo torpor, e uma decisão precisava ser tomada, ou o resto de sua
dignidade iria pelo ralo, já não havia sobrado muito mesmo, mas, quem sabe,
poderia salvar aquele resto e reerguer-se como ser humano e continuar aquela
vida insana e sem sentido a qual se propusera a viver.
Ela tinha 35 centímetros, bem
amolada, brilhava e ele via seu rosto nela, a usava para cortar as carnes dos
churrascos, malpassadas, vertendo sangue, ou aquele caldo vermelho parecendo
ser sangue, ele se deliciava com aquilo, saboreava como algo que lhe dava
prazer...
Decidiu, era aquela hora ou nunca
mais, não queria passar mais madrugadas acordado pensando naquilo, preferia a
morte ou matar, mas iria se livrar daqueles pensamentos colocando em prática
seu plano, pensado e analisado com cuidado.
Aquela noite havia lua no céu,
cheia, mas também muitas nuvens, o clima era frio, outono, porém uma noite bem
gelada, assim como estavam seus sentimentos, só pensava em cometer aquele ato e
nada mais, não poderia passar daquela noite.
Saiu então pela rua, caminhando
vagamente, ninguém para vê-lo, mesmo assim procurava a calçada onde haviam mais
árvores e sombras, sempre que ouvia algum barulho se escondia, mas já tinha
saído de casa colocaria o plano em execução.
Entrou naquele terreno e pegou o
que procurava, era um carneiro bem novinho, um cordeirinho. Pronto, já tinha
sua presa para o sacrifício e assim poderia poupar aquela jovem a qual tinha
mirado antes para o ritual, aquela jovem adolescente, virgem, pura, que seria
usada como oferta e assim poderia resolver seu problema com seu deus.
Em um terreno afastado, no meio
do mato, num lugar que ninguém ia por ser só mato fechado, ele tinha feito sua
trilha e no meio daquele pequeno matagal fechado ele construíra um altar. Velas,
bebidas, perfumes, ervas e uma taça.
O cordeirinho não berrava, pois
estava adormecido por uma substância que ele havia lhe injetado, porém o
sacrifício deveria ser feito com o animal vivo e acordado. Esperou o efeito
passar, e com o animal amarrado, ele todo trajado com suas roupas apropriadas,
segundo ele, iria acometer o animal iniciando o ritual.
Velas acesas, incensos acesos,
tudo preparado, ele começa sua oração macabra invocando espíritos que ninguém
ouvira falar, tudo isso em um livro que encontrara numa casa abandonada alguns
anos atrás e foi assim que suas madrugadas começaram a ficar intermináveis, com
tudo aquilo na cabeça, ele queria mudar de vida e achou que fazendo aquele
ritual sua vida iria melhorar, encontraria um emprego bom com um salário
excelente, conseguiria a mulher dos seus sonhos, compraria o carro mais foda da
cidade e seria visto por todos como “o cara”, não seria mais humilhado e todos
iriam puxar seu saco.
Ao erguer a faca, aquela que ele
usava para cortar as carnes dos seus churrascos, sentiu correr em seu peito um
liquido quente e vermelho, olhou bem e viu que sangrava, estava tão extasiado
que nem ouviu e nem percebeu o tiro que levou. Olhou de lado, era o dono do
cordeirinho que o vira pegar o animal e o segui até ali, amedrontado atirou
contra ele.
Caiu por terra, seu plano não deu
certo, voltaria a ser humilhado, agora em uma prisão, nunca mais conseguiria o
que procurava e se arrependeu de ter encontrado aquele livro que virou sua cabeça
e transformou sua vida.
O dono do animal era o dono do
livro e terminou ele mesmo o ritual, mas não foi o cordeiro a oferenda...
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